sexta-feira, 28 de setembro de 2012

"Estes programas da troika são um disparate"

Entrevista ao economista eurocéptico João Ferreira do Amaral ao Jornal i de 22 e 23 de setembro de 2012...numa só palavra: DEMOLIDOR!

" Se os salários descessem 7%- que na realidade é um pouco mais - e se somarmos o efeito dos preços2% a 3% da inflação- iríamos aos 10% de perda de salário real. É mais do que em todo o programa de ajustamento de de 1983/84 com a agravante de não resolver nada. E com a agravante adicional, muito pouco discutida, de que uma desvalorização do rendimento das famílias é muito perigosa [...] se estamos a reduzir drasticamente o rendimento das famílias- estamos a aumentar muito as condições para o incumprimento, além de criarmos um problema social muito grave.

As pessoas estão a pagar não de acordo com os seus rendimentos, como a Constituição obriga, mas de acordo com o estatuto que têm. Isto é uma concepção medieval. Agora os reformados pagam x, os funcionários pagam outro x. É uma regressãode séculos em termos de base de incidência fiscal. As sociedades civilizadas tributam de acordo com o rendimento ou segundo o património.
[...]Estes programas de ajustamento são um erro brutal ao quererem uma terapia de choque que não resolve nada.
[...]Estes programas [da troika] são um disparate. Aliás, vê-se claramente: é difícil imaginar um programa tão ineficiente como o português [...] É das maiores ineficiências que encontro e a meu ver resulta de a troika ter concepções que se baseiam em pressupostos económicos errados. Um é de que a desvalorização fiscal é a mesma coisa que a desvalorização cambial. Outro é que o emprego só depende dos custos de trabalho quando depende basicamente da evolução da procura interna [...] A troika tem demonstrado uma grande dificuldade em fazer programas que funcionem . Estes não funcionam e já não há desculpa que deram em relação aos gregos, de que eles não cumpriram e são uns valdevinos. Nós fizemos tudo. Para obter este resultado, por amor de Deus, isto não é nada. Estes programas levam a uma grande iliteracia económica, não estão adequados às situações. E é isso que é importante mudar. Se for mudado e se entrar mais numa concepção de ajustamento gradual da estrutura produtiva, através de medidas estruturais de apoio, aos sectoresde bens transaccionáveis, nós podemos fazer o ajustamento. De outra forma penso que só nos resta a saída da zona euro.
[...]Passámos 1 5 anos a distorcer a estrutura produtiva [e vínhamos de uma situação de grande atraso]. Ningém acredita que em um ou dois anos vamos repor a estrutura produtiva. Estes programas são um absurdo e não admira que falhem mesmo quando se cumpre.

i:A perspectiva de quem tenta cumprir o programa é de que  é necessário ter dois ou três anos de dor profunda para depois podermos voltar a crecser
JFA:...mas economicamente não há nenhuma razão para supor que isso seja assim, pelo contrário vamos regredir. O investimento tem descido brutalmente, prevê-se uma nova descida para o ano e isso significa que a estrutura produtiva não se reformula. Não há reformulação sem investimento. Essa concepção metafísico-existencial não tem qualquer cabimento em economia.

i: Mas há um constrangimento imediato que vem do facto de estarmos na Europa e de aparentemente haver muito pouca margem para mudar de forma significativa a política actual. Concorda que há pouca margem?
Não. Começa a haver a alguma margem de manobra à medida que é cada vez mais nítido que estes programas não vão dar resultado [...]Infelizmente creio que a posição do governo não é a que seria correcta - cumprir apenas no essencial o programa da troika para manter o financiamento - mas usar o programa como catapulta para uma agenda muito além troika, em que a redução salarial é o nosso futuro. Quando claramente não é.

[...]não se pode repetir em Espanha o mesmo que na Grécia e que se está a repetir em Portugal: um programa de resgate que não dá resultado. Se a Espanha entrar em depressão profunda toda a Europa sofre brutalmente.
[...] a meta de 4,5% do PIB para 2013 não será exequível. E depois teremos um drama medonho que é de novo dizer que não se cumpriu.

i: Estas metas - inflexibilidade subjacente ao programa - acaba por matar a credibilidade de qualaquer ministro das Finanças?
JFA: penso que sim. Acabam por matar toda a gente. Acaba por matar também a credibilidade das instituições comunitárias. Antes podiam transferir a responsabilidade de para os não cumpridores, agora não podem porque Portugal no essencial cumpriu o programa. Portanto, se os resultados não estão adequados é porque o programa estava inadequado à partida como, aliás, muita gente referiu. Isto põe em cheque a credibilidade também do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Com uma agravante adicional no que respeita à Comissão Europeia: ao patrocinar estes acordos está a ir contra os tratados. Os objectivos da União Europeia não são estes e a Comissão deve estar ao serviço da União. Essa é uma missão que o Parlamento Europeu devia fiscalizar.

[...]Mas uma vez estabilizada a zona euro, tem de se pensar seriamente no facto de o euro não permitir um desenvolvimento da União[...]Penso que é de encarar seriamente a saída de países da zona euro. Para Portugal é a única forma de termos perspectivas de crescimento a prazo [...] sair do euro teria ainda uma grande vantagem: o financiamento do Estado. A partir do momento em que o estado tem emissão monetária deixa de ter problemas de financiamneto interno [...]

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